domingo, 31 de janeiro de 2010

A EXPERIÊNCIA DA SALVAÇÃO

Publico hoje um texto de Pastor Vicente. Aproveitem. Um homem de Deus com uma mente privilegiadíssima. Deus nos abençoe.


Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação. (Rm 10.9-10)

Abordar o tema da salvação nos dias atuais é como pregar no deserto, ou melhor, gritar em meio à babel do imediatismo, da busca desenfreada de bênçãos materiais, da quebra de maldições, das determinações, do pensamento positivo, da prosperidade, das soluções mágicas e de tantas outras novidades do momento. Em meio a tudo isso, a voz do profeta ou da profetisa se perde em meio ao barulho da religiosidade pós-moderna.

No entanto, é preciso falar. Há urgência em retomar questões sérias e de vital importância para os que se afirmam cristãos hoje. E uma dessas questões é a experiência de salvação. Mas o que é isso?

1. Salvação: do que se trata?

O substantivo grego, empregado pelo apóstolo Paulo no texto citado acima, é σωτηρία [soteria], que tem os seguintes significados no Novo Testamento, segundo Taylor [1991:218]: salvação, saúde, segurança; salvação messiânica; salvação como possessão atual de todos os cristãos; salvação futura, a soma de benefícios e bênçãos que os cristãos, redimidos de todos os males terrestres, gozarão depois da volta visível de Cristo do céu, no reino consumado e eterno de Deus (consulte estes textos para confirmar: 2Co 1.6; 7.10; Fp 1.19; Lc 1.77; 2Tm 2.10; Rm 13.11; 1Ts 5.9; Hb 9.28; 1 Pe 1.5,10; Ap 12.10).

No NT, e nas cartas paulinas de modo especial, a experiência da salvação é entendida da seguinte forma:

A salvação é provida como a dádiva gratuita do reto Deus, que pela graça desmerecida, age em favor de pecadores, os quais, pelo dom da fé, confiam na retidão de Cristo, que os redimiu por meio de Sua morte e os justificou pela sua ressurreição. Deus, por amor a Cristo, justifica o pecador sem merecimento (isto é, lança em sua conta a perfeita retidão de Cristo e considera-o como se nunca houvesse pecado), perdoa o seu pecado, reconcilia-o Consigo mesmo em Cristo [...] (Novo Dicionário da Bíblia, 1995:1466).
Vemos que a experiência salvífica envolve muitos aspectos, tais como ser atual e ao mesmo tempo projetar o futuro, quando cumpre plenamente as exigências legais do AT vai além e dá poder ao que crê para viver livre do pecado, tem uma dimensão pessoal e ao mesmo tempo pública (a fé do coração e a confissão verbal). É neste último aspecto que queremos nos ater neste texto. Em todas elas, porém, o que se leva em questão é o livramento do pecado (de seu poder e de suas consequências eternas) e a reconciliação do ser humano pecador com Deus por meio de Jesus Cristo, pela fé.

A salvação, segundo a referência bíblica em epígrafe, pode ser resumida em uma fórmula (se é que podemos usar essa expressão):

FÉ EM JESUS + CONFISSÃO DE JESUS = SALVAÇÃO

É simples, sem dúvida, porém traz em si uma imensa riqueza de sentido e de implicações, vitais para todo cristão. A salvação, pois, é o resultado da adição de fé e confissão. Tanto esta como aquela estão centradas na pessoa de Jesus. Sem ele não há salvação.

2. A centralidade de Jesus

Como se vê no pequeno esquema acima, a fé é fé em Jesus e a confissão é confessar Jesus. Portanto, sem Jesus não há salvação. A libertação e perdão do pecado, a vida eterna com Deus, enfim, a redenção de todas as coisas, só se tornam possíveis em e por meio de Jesus.

Isso é importante para que não caiamos na tentação de achar que a salvação é resultado automático da fé, de uma vida moralmente reta, da reflexão bíblica ou da graça divina (dom de Deus). Tudo isso é importante, mas cada uma dessas categorias depende de estar centrada em Jesus: a fé, como já observamos, tem de ser direcionada a Jesus; a escritura só tem sentido para nós se for interpretada à luz de Jesus (o que não aponta para ele perde importância enquanto texto sagrado); a graça só é possível porque Jesus a manifestou em sua vida e a torna atual na vida de cada ser humano que nele confia por meio do Espírito Santo.

Em resumo: o caminho da salvação é cristocêntrico. Com esse enfoque é que analisaremos os outros dois termos de nosso esquema.

3. A fé para a justiça

O texto de Romanos 10.9-10 afirma que essa fé tem três características: a) do coração; b) na ressurreição de Jesus e c) para a justiça. Vejamos cada um desses itens.

O termo coração significa o ser humano como um todo na unidade de sua personalidade. O ser humano é mais que um aglomerado artificial de pensamento, sentimento e vontade. Wilson [1981: 157] afirma: “A idéia moderna que interpreta coração como sendo as emoções, não é confirmada pelo uso desta palavra nas Escrituras”.

A fé na ressurreição é emblemática, pois envolve tudo que Jesus ensinou e fez. Hodge, citado por Wilson [op. cit.: 156] resume a idéia quando diz que crer que “Deus ressuscitou Cristo dos mortos envolve crer que Cristo é tudo aquilo que Ele afirmou ser, e que cumpriu tudo aquilo que veio fazer”.

Os judeus sabiam que era necessário obter justiça para que fossem salvos, mas ao tentar obtê-la pelas obras da lei eles simplesmente se condenaram ao fracasso e à rejeição. Somente a fé do coração pode receber a justiça que garante a salvação. Em outras palavras, pela fé em Cristo é que se obtém a justificação diante de Deus.
Poderíamos chamar este aspecto de raiz da salvação, porque não é visível, mas é o seu fundamento. Sem a fé do coração centrada em Jesus, não há salvação. Convém aqui uma observação: o termo grego traduzido com crer tem o sentido de confiar, colocar a confiança ou a fé em. Não é apenas uma aceitação intelectual ou uma crença. Por isso tem de ser “com o coração”. É desse modo que a fé se torna raiz da experiência da salvação, enquanto a confissão são as folhas dessa árvore.
4. A confissão de Jesus como Senhor

Esta palavra salva porque tem o próprio Senhor Jesus como seu conteúdo. A aparente simplicidade da confissão Jesus é Senhor não deve nos iludir sobre a profundidade de seu conteúdo. Essa fórmula identifica o Jesus histórico e sua subseqüente exaltação ao senhorio supremo e domínio universal, pressupondo todos os fatos do evangelho.

Esta confissão era a ênfase constante da proclamação apostólica. Qualquer pregação que deixa de proclamar a atual soberania de Jesus não é fiel ao padrão devidamente autorizado pelo Novo Testamento.
A confissão aberta de seu nome perante todos os seres humanos é uma condição indispensável discipulado autêntico. “Aqueles que se envergonham ou temem confessar a Cristo perante os homens não podem esperar ser salvos. A falta de coragem para confessar é evidência conclusiva da falta de disposição para crer” [Hodge apud Wilson, 1981: 156].

Haldane [citado por Wilson, 1981: 157] chama a atenção para o fato de Paulo empregar a segunda pessoa do singular:

Se tu com a tua boca confessares, e em teu coração creres, tu serás salvo. Ele fala de todos, para que todos possam examinar-se a si mesmos, pois a todo o que crê e confessa, a salvação é prometida; desta forma o apóstolo ensina cada um a aplicar a promessa de salvação a si mesmo pela fé e confissão.

A confissão é o aspecto visível e público da salvação. Ela atesta a disposição de cada discípulo e discípula em proclamar a sua fé (do coração) e o senhorio e domínio de Jesus sobre tudo e todos. Um aspecto não sobrevive sem o outro. E nada substitui esses elementos na experiência de salvação.

5. Considerações finais

Salvação não é resultado de quebra de maldições, de prosperidade material, de pensamento positivo, de batalhas espirituais ou de soluções mágicas para problemas da vida. Tudo isso são desdobramentos religiosos. Salvação é mais do tudo isso: é fé do coração e confissão de que Jesus é Senhor. Nada pode substituir Jesus na experiência de salvação. E salvação é libertação do domínio do pecado e da morte eterna, tendo como resultado a vida eterna.

Confessar que Jesus é Senhor proclama o seu domínio e seu senhorio sobre todas as coisas. Isso elimina as pretensões humanas de construir a sua salvação, com suas fórmulas e seus rituais. Essa confissão impõe a centralidade de Jesus e nada mais além dele. Toda a religiosidade antiga e moderna não é essencial para a experiência de salvação.

Então só resta perguntar por que se dá tanta ênfase ao que não é essencial, esquecendo-se do que é importante. A resposta parece óbvia: a religião sempre quer construir o caminho da salvação, mas, à luz do evangelho, sabemos que “pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2.9-10).
Gritamos. Que cada um ouça o que o Espírito diz às igrejas.
Soli Deo Gloria.

Rev. Vicente de Paulo Ferreira

Referências
Bíblia de Estudo Almeida. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
Luz, Waldyr Carvalho. Novo Testamento interlinear. São Paulo, Cultura Cristã, 2003.
O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1995.
Taylor, William Carey. Dicionário do Novo Testamento grego. Rio de Janeiro: JUERP, 1991.
Wilson, G. B. Romanos – um resumo do pensamento reformado. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1981.